Se a TAP fosse um avião, o sinal de apertar o cinto já teria, com certeza, disparado. É possível que a transportadora estatal atinja o maior prejuízo de sempre este ano, se a alta do petróleo se mantiver.
E nem o crescimento das operações, em frota e em número de destinos, consegue dar-lhe alguma estabilidade de voo. No cockpit, Fernando Pinto mostra sinais de cansaço. Para aumentar a turbulência, a tripulação faz exigências que podem pôr em causa uma aterragem suave.
Ninguém está imune à escalada de preço do petróleo, que, convertido em combustível para aviação, vale, agora, 1250 dólares por tonelada (cerca de 125 dólares por barril). Valor que compara com os 250 dólares por tonelada no ano 2000, altura em que o gestor brasileiro assumiu a presidência da companhia de aviação portuguesa. É neste custo que reside o calcanhar de Aquiles da TAP. O facto de ter, inicialmente, calculado os gastos com base num preço de 75 a 78 dólares por barril fez com que falhasse largamente as previsões de despesa.
É que, esta semana, o petróleo subiu acima dos 141 dólares, e, em vez dos 500 milhões de euros de custos de combustível previstos para este ano, as contas da equipa de gestão apontam, agora, para os 776 milhões de euros. Isto se o preço não continuar a subir. "Se eu soubesse até onde ia chegar, deixava a TAP e ficava rico", desabafou Fernando Pinto, no dia em que assumiu publicamente que a empresa, não só não vai atingir os 64 milhões de euros de lucro impostos pelo Governo, como poderá atingir prejuízos de 154 milhões de euros em 2008.
Este valor é apenas uma estimativa, tendo como base o contexto actual do mercado, mas não deixa de ser um sinal de que a transportadora está em rota de colisão. Em entrevista ao PÚBLICO, Kenneth Button, um dos maiores especialistas na indústria de transporte aéreo, teme que a TAP se transforme na próxima Alitalia, apesar de "ter uma gestão melhor". Recuperar dos 102 milhões de euros de prejuízos acumulados de Janeiro a Maio de 2008 parece-lhe "impossível", a não ser que o custo com combustível "desça dramaticamente".
Mudança de rota
A alta do petróleo não é, porém, o único motivo para a crise. Durante o mandato do gestor brasileiro (convidado para o cargo por Jorge Coelho, ministro das Obras Públicas na altura), não faltou turbulência, dos diferendos no "handling" ao constante adiamento da privatização.
Em quatro anos, Fernando Pinto conseguiu tirar a empresa do vermelho, passando de um prejuízo de 122 milhões de euros, no ano 2000, para lucros de 19,7 milhões de euros, em 2003. A instabilidade causada pelos atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque, não passou ao lado da empresa nacional e os resultados pioraram, novamente, em 2005, ano em que registou perdas de 10 milhões de euros.
Os dois últimos anos foram de recuperação, culminando no recorde de 32,8 milhões de euros de lucros, em 2007, que, ainda assim, ficou aquém da meta traçada pelo executivo para esse período (37,9 milhões de euros). E, apesar da recuperação, a TAP foi-se desviando dos problemas, em vez de os resolver.
No final de 2005, quis comprar a transportadora brasileira Varig (na qual o gestor ocupava a presidência executiva antes de ingressar na TAP), mas falhou. A proposta previa a compra de todos os aviões em "leasing" com um aumento de capital, mas foi suplantada por um consórcio local. Perante o fracasso da aquisição, optou por comprar apenas a área de manutenção da empresa, a Vem, em Dezembro de 2006, por 16,6 milhões de euros.
O objectivo continuava a ser controlar a Varig, uma vez que era o maior cliente da Vem, mas o colapso financeiro da transportadora brasileira acabou por deitar este plano por terra. Viragem que obrigou Fernando Pinto a considerar, posteriormente, a alienação de parte da participação de 90 por cento que a TAP detém na empresa. "As negociações estão a decorrer", assegurou, no início deste ano.
Além de tentar desfazer-se do activo, a empresa teve, em simultâneo, de colmatar a lacuna no mercado brasileiro, o que resultou na sucessiva inauguração de voos para o país. Hoje, tem 66 voos semanais para nove cidades, encontrando-se em estudo a alargamento para Curitiba, no Panamá, Manaus, capital de estado do Amazonas, e Belém, capital de estado do Pará.
Privatização cancelada
A estratégia deu resultado: entre 2000 e 2007, o impacto das operações no Brasil no negócio total da TAP subiu de 15 para 29 por cento, esperando-se que, em 2008, as rotas brasileiras tragam "um acréscimo de 60 a 70 milhões de euros" na facturação, de acordo com Mário Carvalho, responsável máximo da companhia de aviação no país.
Mas há o reverso da medalha. A aposta brasileira adiou a investida em África, um dos mercados que mais crescimento regista nas contas da empresa (13,7 por cento em 2007). "Têm sido uma espécie de fadas-madrinhas para o Brasil e esqueceram-se que o que vai suportar a sustentabilidade são as operações africanas, porque há menos concorrência e mais liberdade para praticar preços altos", defende José Pinto Monteiro, director do MBA Gestão do Transporte Aéreo, da Universidade Lusófona.
As operações em África ganharam novo fôlego recentemente, com a mudança de Dionísio Barum, ex-director de vendas em Portugal, para Luanda. Ocupa, pela primeira vez na história da transportadora, a posição de coordenador deste continente. As inaugurações de novos voos têm sido frequentes, sendo que a última ocorreu esta semana, com o lançamento da terceira frequência semanal entre Lisboa e Bissau.
Por Portugal, os anos foram passando e, apesar dos sucessivos anúncios, a privatização da transportadora estatal está "parada", revelou Fernando Pinto, perante a perda de atractividade em 2008. A intenção é manter a maioria do capital em mãos nacionais, mas a entrada de um investidor poderia dar um novo impulso à empresa, até porque o Governo está impedido, por directiva comunitária, de injectar dinheiro na TAP. Caso contrário, a companhia até poderia ter estabelecido contratos de "hedging" (compra antecipada de combustível), sem correr o risco de perder o acesso a crédito e salvaguardando a aquisição a preço mais reduzido.
Kenneth Button defende que esta operação deveria ter avançado "a meio do ano passado, quando o cenário era mais positivo" porque "agora as companhias de aviação estão mais interessadas em resolver os seus próprios problemas do que em gastar dinheiro e energia a recuperar a TAP".
Dentro da empresa, a palavra concentração gera mal-estar. A possibilidade de estabelecer uma união com a espanhola Iberia, empresa que o especialista britânico acredita estar mais bem posicionada para comprar, é descartada. Há ainda quem considere a hipótese da Lufthansa. José Pinto Monteiro afirma que o facto de a transportadora alemã "pertencer à rede internacional Star Alliance" e ser "um grande grupo capaz de aproveitar sinergias" poderá ser interessante para a companhia nacional.
Problemas cruzados
A alternativa concentração não é uma novidade nesta indústria. Para sobreviver à crise, as companhias unem forças para sobreviver. Foi o caso das norte-americanas Delta e Northwest Airlines, que anunciaram, em Abril, a fusão das operações, criando a maior companhia de aviação do mundo. A maioria tem optado pela redução da estrutura, despedindo trabalhadores ou reformando a frota de aviões, de que é exemplo XXX.
Já a britânica British Airways subiu a taxa de combustível para os passageiros de primeira classe, em perto de 26 por cento. Há ainda situações em que o colapso é inevitável. Só nos EUA, seus transportadoras encerraram este ano. A italiana Alitalia, que registou um prejuízo de 495 milhões de euros, em 2007, está no mesmo caminho.
Dentro da TAP, a crise foi ainda agravada pelo atraso na integração da Portugália, cujas operações só entram nas contas da companhia de aviação este ano. Desconhece-se, porém, se a empresa comprada em Julho do ano passado já conseguiu recuperar dos 50 milhões de prejuízo registados em 2006.
A abertura do capital da Groundforce a privados, concretizada em 2004, também não trouxe bons ventos à TAP. Depois do diferendo com a Globalia, que comprou 51,1 por cento da empresa de "handling", em 2004, a transportadora associou-se a um consórcio de três bancos (BIG, Banif e Banco Invest) e voltou a tomar controlo da gestão.
Apesar do tempo perdido, está a tentar, à custa de greves, recuperar a empresa dos prejuízos. Os dados de 2008 não são, no entanto, animadores. Nos primeiros cinco meses deste ano, a Groundforce atingiu perdas de 16,8 milhões de euros. O director do MBA da Lusófona refere que "foi uma pena terem perdido tempo com divergências, afastando-se da estratégia principal". A entrada dos três bancos é transitória, cabendo à transportadora estatal encontrar um sócio efectivo.
Voo instável
Foram todas estas tempestades que obrigaram Fernando Pinto a activar "um plano de emergência", que passa pela redução de custos e pelo aumento de receitas, concretizando um total de 100 milhões de euros, em 2008. São 84 medidas, nas quais se inclui uma estratégia de redução de consumo de combustível, suportada, por exemplo, pela substituição dos aviões A310 por A330.
Soma-se, ainda, a tentativa de apaziguar as relações com os sindicatos do sector, que conseguiram reunir os trabalhadores em torno de reivindicações ligadas à actualização salarial. O gestor quer travar os protestos, mas as paralisações agendadas para este mês "são para continuar até que nos dêem aquilo a que temos direito", garantiu José Simão, do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos.
Nos primeiros quatro anos do gestor brasileiro na TAP, não há registo de greves e, agora que a estabilidade é obrigatória, sobretudo porque se aproximam meses de pico nas receitas da aviação, a empresa vê-se a braços com fortes contestações. O facto de a palavra despedimentos ter pairado no ar piorou o clima social.
A empresa assegurou que essa decisão foi adiada para 2009 e o próprio ministro das Obras Públicas, Mário Lino, confirmou, esta semana, em entrevista do Jornal de Negócios, que só serão levadas a cabo "em último caso". José Pinto Monteiro considera, no entanto, que os despedimentos são "inevitáveis", dados os "pés de chumbo da TAP", em termos de custos.
A saída passa, também, pela suspensão de voos menos rentáveis, como é o caso das rotas europeias, assegurou Luiz Gama Mór, vice-presidente da transportadora. "É o que faz mais sentido, tendo em conta a sazonalidade de algumas rotas", afirmou, acrescentando que os voos nacionais "não serão afectados por esta estratégia". Kenneth Button aplaude o plano da TAP, acrescentando apenas que os voos para a América do Norte também deveriam "ser reavaliados", tendo em conta "a crescente concorrência neste mercado".
As dúvidas quanto ao destino que a companhia de aviação nacional irá tomar nos próximos meses são muitas, até mesmo no que diz respeito à continuidade de Fernando Pinto na presidência. O mandato do gestor termina no final do ano e Mário Lino referiu esta semana que "a [sua] avaliação será feita no devido tempo". O especialista britânico opõe-se a esta decisão, em nome da estabilidade da transportadora. "É como diz o provérbio: mais vale um diabo que se conhece, do que um diabo que não se conhece", termina.
Fonte: Rtp
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